Porque Permaneces na Prisão se a Porta Está Aberta?

27 novembro a 08 dezembro'19
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Teatro do Bolhão
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Palácio do Bolhão
Porque Permaneces na Prisão se a Porta Está Aberta?

Fazer teatro é também revisitar momentos. Um pensamento espiral. Circular nunca porque há sempre brechas. Os caminhos são opacos. Densos. Muitas vezes duros. Ninguém disse que a vida era fácil. Não que a vida seja sempre a referência. A morte também pode ser. Dizem-me as vozes que a morte faz parte da vida. Ignoro as vozes e sigo o caminho. Estou a abrir caminho. O meu. Não é uma referência estética. É importante não andar atrás de referências estéticas. O mundo já está tão partido. Não gosto do conceito de novo. Gosto do conceito de espanto. Mas também não somos todos iguais e o público é ambíguo e os criadores também. Um texto é um universo. Posso seguir o mar. Sigo o mar. Mas que mar? O mar de fora, que é luz e ar e ao mesmo tempo duro e árido? Ou o mar de dentro, que é o medo e é espesso e ao mesmo tempo pacífico como líquido amniótico? O teatro é um espaço de contradições. Não quero usar a palavra confronto aqui. Prefiro contradições. As contradições implicam esse andar perdido e à deriva. Divergir. Resistir. Num plano de confronto todas as personagens têm a mesma força. É isso o diálogo. Nesse diálogo posso descobrir-me também. Descubro-me no outro que se torna corpo no teatro. O Heiner Muller afirmava que o teatro lhe permitia dizer Eu. Escrevi Eu com maiúscula mas não lhe estou a dar importância absoluta. Antes pelo contrário. O Eu deve ser quebrado para se descobrir. Através desse Eu da escrita permito-me conhecer o meu medo e o meu caminho. Através desse Eu do palco permito-me conhecer as minhas contradições físicas e o meu vazio. O teatro é difícil. A escrita e o palco. Duas vozes que são duas perspectivas que são dois textos. Gosto dessa ideia do texto da peça e do texto da encenação. O caminho é de uma interpretação e de um levantamento do signo. Tudo é signo. Tudo tem significado. Quando se diz que em palco tudo tem um significado não se quer dizer apenas que tudo tem de ser pensado ou que tudo tem  de ter leitura ou de produzir efeito, seja em que nível for, quando tudo tem de possuir um significado, mesmo incompreensível, estamos a atribuir uma responsabilidade total ao trabalho. Nunca senti essa necessidade de ter de compreender tudo. A compreensão provoca-me um ímpeto de fuga. O caminho que prefiro é o abismo. Não que isto seja regra. Nem para mim nem para o mundo. Da mesma forma que não acredito em sentidos únicos também não acredito em visões únicas. Esta coisa de haver uma estética superior que pode definir todas as outras parece-me uma ideia tão primária quanto inútil. É preciso romper a linha e chegar ao caos. Deleuze/Guattari, O que é a Filosofia? Capítulo: Do Caos ao Cérebro. Volto ao teatro sem nunca sair dele. Nesta coisa quebrada em que também me encontro ou em que me procuro vou andando devagar e à deriva. Em tempos de uniformização pela diferença o indivíduo perdeu valor absoluto. Castração. Auto-censura. Medo. Sem medo não há força. Perceber que estudar os modelos não implica ir atrás deles. As tendências não podem ser regra. Ainda por cima se vierem vestidas com a tanga da abertura e da liberdade. E mesmo o que eu estou a dizer... 

Pedro Fiuza

 

texto 
Zeferino Mota
Encenação 
Pedro Fiuza
Zeferino Mota
Interpretação 
Cristiana Castro e Sandra Salomé
Cenografia e Figurinos
Cátia Barros
Desenho de Luz 
Mário Bessa
assistência a cenografia
Nuno Encarnação e Filipe Mendes
execução de figurinos
Maria da Glória Costa
Imagem e Cartaz 
Luís Troufa
operação de luz
Konstantin Korchagin
operação de som
João Félix
direção de produção
Glória Cheio
produção executiva
Rosa Bessa
frente de casa e bilheteira
Cláudia Madureira
agradecimentos
Ana Barros e Bernardo Gavina